sábado, 5 de março de 2011

GUIDO - Publicado em 10 de novembro de 2010




















Bom dia pessoal da bolinha ! O Gothe Cromo Gol já publicou muitas histórias desde o início desta série.

Nem sempre de craques, Campeões ou ícones, mas também de "modestos" apaixonados pelo Futmesa.

Na semana do Brasileiro em Porto Alegre, guardamos para publicar mais do que um relato de uma história ligada ao esporte, editada pela nossa redação ou mesmo contada na primeira pessoa.

O que vamos ler juntos nesta quarta-feira, é o emocionado depoimento de um Bi-Campeão Brasileiro, que com suas próprias palavras discorre sobre uma vida especial, feita de amigos, de botões, felicidades, de dramas pessoais e de superação.

Impossível contar boa parte da história do Futebol Mesa do Rio Grande do Sul e do Brasil, sem contar a história de Guido Garcia, que aqui sempre chamamos de Guido Stein. 

O Gothe Gol não cometeria a falha de não contá-la. Melhor, vamos deixar que o amigo  e excepcional botonista Guido, alma do esporte, conte esta história para nós todos de uma forma como nunca contou em lugar algum.

Um presente da gentileza de Guido que nós do Gothe Gol agradecemos imensamente, e que certamente todos agradecerão.

" Há quase 60 anos atrás, nos idos de 1951, na cidade de Encruzilhada do Sul nascia mais um menino na família de Ozi e Flavia Stein Garcia. 

Era o quarto de cinco irmãos e uma irmã. Com 13 anos veio para Porto Alegre para estudar.

A primeira residência foi na Rua Mariante, quase esquina da Casemiro de Abreu. Ali conheceu, na casa de Nei Fonseca, a primeira mesa de botão. Era da regra gaúcha. 

A fábrica daquelas maravilhas, de todas as cores, tamanhos e modelos ficava a poucas quadras. A Scharlau era ponto obrigatório para a gurizada. As caixas cheias de botões de camadas, coloridos, as mãos ávidas, a montagem dos times em cima do balcão – tudo isso ficou gravado na memória, mesmo passado tanto tempo. Os campeonatos eram concorridos.

Pouco tempo na Mariante e a mudança para o Menino Deus quase pôs por terra a diversão recém conhecida. 

A residência adquirida pelo pai na rua Rodolfo Gomes era geminada e ao lado morava um rapaz que tinha também uma mesa de botão. Ele tinha um livro de regras e a mesa feita com base nas medidas oficiais. Comecei a notar que mais do que uma diversão, o botão era um esporte devidamente organizado, com regras e entidades oficiais. 

Logo foi confeccionada uma mesa para ter em casa. Nessa época um vizinho que morava a duas casas de distância e que jogava na turma, tinha adquirido uma fábrica de botões. Qual, qual.... adivinhe... A Scharlau....!!!! Nossa!!!! Era muita coisa conspirando a favor do botão.

Fiz com ele o primeiro time oficial padronizado. Apesar da regra gaúcha não exigir a padronização dos times, surgiu um time preto baseado nos botões de casacão que eram moda na época – inclusive com dois furos no meio. E haviam dois cavadores – coisa inexistente na regra gaúcha. Será que já era uma tendência retranqueira que se manifestava ? Tenho essa preciosidade até hoje.

O tempo passou – com 19 anos perdi meu pai – e tive que ir a luta. Fiz concurso e ingressei na Polícia Federal com 21 anos. Fui exercer minha atividade na cidade do Chuí no RS. O jogo de botão ficou adormecido. Mas não tinha sido esquecido. 

Anos depois, em 1987 , já com 36 anos resolvi fazer uma mesa. Não sabia de ninguém que jogasse, mas uma mesa era uma boa opção. Já havia jogado futebol de salão por muitos anos e disputado inclusive um Estadual da série Bronze. Uma lesão no tendão de aquiles havia  me afastado das quadras. Se não dava com os pés, quem sabe com as mãos ?

Recuperei o velho time e coloquei a gurizada para bater uma bolinha – mesmo que não houvesse adversário e público no estádio.

Um dia ouvindo o programa de esportes da rádio local, em Santa Vitória do Palmar, soube que haveria um torneio de botão no ginásio de esportes Cardeal. No dia aprazado lá estava. E comecei a encontrar os amigos do dia a dia, do futebol, do banco, da prefeitura, enfim estavam todos ali.... 

- O que tu faz aqui, perguntava, e também já respondia a mesma pergunta que outro fazia. 

- Mas tu também joga ?

- Claro. 

- Mas como ?

- Ué, tu nunca me perguntou...

O torneio foi um desastre. Qual a regra ? Eu sabia a gaúcha – que para mim era a única. Inclusive ostentava galhardamente o livreto de regras para qualquer eventualidade. Aí veio a tal de “bahiana” ou brasileira. E quem defendia também tinha um livro de regras. Aí a Torre de Babel estava formada. Cada um tinha uma regra oficial. E os times, então....!!!!

Eu tentei jogar. 

A mesa era da brasileira, o adversário era da brasileira e o meu time da gaúcha. Parecia um bando de anões tentando correr no Maracanã. Mas o placar foi só 0x1.

Mas agora eu sabia quem jogava. E tinha muitos amigos. Dali partimos direto para a regra brasileira. Falamos com Jader Rodrigues que jogava na Pelotense e ele nos deu todas as informações que necessitávamos. Fabricantes, livro de regras, associações, Federação, etc...

Mandei fazer um time com o Salatiel em Natal. Para variar, era todo preto. Não sei porque temos essa tendência, né ? Mantemos aquilo tudo que fez parte de nossa vida. Bem, mas isso já é outra história...

Começamos com um grupo de uns 6 amigos jogando em minha casa. Era todos os fins de semana. Minha filha foi despejada do quarto e a mesa solenemente ali instalada. De sexta feira até domingo, era só torneio.

As brincadeiras foram se tornando sérias – os torneios cada vez mais acirrados -  e em breve a notícia correu pela cidade. Resolvemos fundar uma entidade pois na minha casa o pessoal já assistia as partidas na janela. 

Contatamos com Figueira e Aldyrzinho Schlee que foram a Santa Vitória fazer uma partida de exibição. Convidamos várias pessoas e montamos a mesa no CTG da cidade. Foi um show. Os dois deram um espetáculo que ficou gravado na minha retina até hoje. 

Uma técnica incrível, jogadas maravilhosas, aquelas fichas manuseadas com extrema elegância, tiros certeiros por cima do goleiro, no canto, de curta, média ou longa distância, não importava de onde. Aldyr e Figueira souberam representar com maestria o esporte que praticam e angariaram diversos, inúmeros adeptos naquela noite inesquecível. Talvez eles nem saibam disto pois raras são as vezes em que se pode resgatar a história – e essa é uma das oportunidades. Muito obrigado Aldyrzinho Schlee e José Bernardo Figueira. Santa Vitória deve muito a vocês dois.

Fundamos a Associação Santavitoriense de Futebol de Mesa, em 1º de dezembro de 1987. Iniciamos com 35 sócios e chegamos a mais de 60 sócios praticantes nos primeiros anos.

Com o correr dos anos foram surgindo talentos e formamos uns 8 técnicos de técnica refinada. E os títulos começaram a aparecer.

Em 1992 fui eleito Presidente da Federação Gaúcha de Futebol de Mesa. Juntamente com Luiz Alfredo de Boer – diretor técnico – começamos um trabalho de modernização da entidade  introduzindo a informática nas competições, a padronização dos troféus com premiação a altura dos feitos obtidos e rigoroso controle nos regulamentos das competições. Sérgio Oliveira – sempre ele – começava a implantar a uniformidade dos regulamentos das competições que perdura até hoje como modelo de organização em todo o país. 

Consegui trazer para Pelotas o Campeonato Brasileiro de 1996 após árduas discussões junto a Associação Brasileira de Futebol de Mesa. Na minha gestão começou a ser observado com rigor o critério de participação em competições oficiais tanto estaduais quanto nacionais. As vagas eram reservadas para os técnicos de acordo com o ranking gaúcho. 

Com a divisão em liso e cavado, a nossa modalidade começou a ficar em segundo plano. 

Já se perguntaram porque que o “cavado” se chama “livre” no campeonato brasileiro ?

Porque que no livre pode jogar com time liso e no liso não pode jogar com cavado ?

Os gaúchos começaram a participar com mais assiduidade dos campeonatos brasileiros e sul brasileiros e os títulos a se empilharem.

Hoje é tanta a hegemonia que o gaúcho, ávido por novas fronteiras, se aventura na modalidade liso. É um terreno novo e alguns já se atrevem a correr enquanto muitos ainda engatinham. 

Não morrerei antes de ver um gaúcho Campeão Brasileiro da modalidade Liso!!!....

Deus me proporcionou muita alegria – mesmo quando era tempo de chorar. Em 1993, ano do meu primeiro título Estadual Veterano, conquistado em Passo Fundo – cidade natal da FGFM – perdi meu filho André, com 5 anos, num acidente doméstico. Todos os que são pais podem imaginar o que isso significa. O mundo acabara junto com a vida de meu amado filhinho.

Tinha angariado muitos amigos, no entanto. O grupo Bola Branca do qual participava foi pródigo em me ajudar. Meus amigos da ASFM jamais me abandonaram e me convenceram a continuar jogando. Vontade não tinha mais...

Ao sabor do vento ia manuseando a régua num jogo aqui outro ali. Os movimentos eram instintivos – a mente adormecia no sono eterno do meu filho.

Nem sei como acabei indo a Natal em 1994 participar do Brasileiro. E Deus colocou sua mão sobre os meus braços e me conduziu ao primeiro título. Lembro somente do André Marques, Dorival Santos (Bombeiro) e Robson Bauer abraçados em mim no fundo da mesa chorando e todos os participantes, inclusive do liso, aplaudindo e me abraçando. Foi a vitória da superação e da graça divina.

Em 1995, já mais recuperado, fui a Vitória e fiz a final do Brasileiro com Robson Bauer – meu companheiro de associação – e um menino que se criou sob minha responsabilidade, viajando na minha companhia por todos os locais em que jogamos. É um filho que tenho. Um filho do coração. 

Tive a sorte de vencê-lo (acho que ele deixou pois tem uma técnica infinitamente superior a minha). Consegui um feito – o  primeiro gaúcho a ser Bi-Campeão Brasileiro legítimo ou seja, 2 anos consecutivos. Somente um carioca havia conquistado tal façanha – Júlio Nogueira.

A nível Estadual consegui ganhar o Campeonato Estadual Veterano em algumas oportunidades. Além do título de 1993, em Passo Fundo, tive a sorte de conquistar o título de 1995 e 1996, em Pelotas, o de 1997 em Bagé, o de 1998 em Porto Alegre e o de 1999 em Rio Grande.

Com a ótima equipe de Santa Vitória do Palmar alcançamos o título do Estadual por Equipes de 1996 e 1997 em Porto Alegre. Em 1998 por dificuldades que a entidade já começava a apresentar não disputamos o campeonato. Mas em 1999 voltamos a jogar e ganhar, também em Porto Alegre.

A partir de 1999 com as dificuldades que a Associação Santavitoriense de Futebol de Mesa começou a apresentar, parei de jogar. Tive problemas pessoais, me divorciei e passei um período de turbulência na minha vida.

Somente em 2005, com a minha mudança para Canoas comecei a ter novamente contato com o pessoal do futebol de mesa. 

Encontrei o Paulo Schemes que me deu uma ajuda enorme para conseguir superar meus problemas pessoais e de quebra me levou para jogar na Franzen. Era o embrião da turma que hoje forma o Círculo Militar. Recomecei a jogar por um curto período – alguns meses apenas.

Conheci uma catarinense maravilhosa que me devolveu a felicidade e alegria de viver novamente. Com ela moro em Sombrio. Resolvi retribuir de alguma forma a tudo que o esporte me proporcionou. Abracei a confecção de maletas para acondicionar nossas jóias, nossos tesouros – nossos times de botão. Era um segmento em que não havia correspondente. 

Os fabricantes de times se multiplicaram, cada um se esmerando mais e tornando os botões verdadeiras obras de arte. Mas não havia um acondicionamento a altura. As caixas eram velhas, feias e ultrapassadas – inclusive a minha, que tenho até hoje. Casa de ferreiro, espeto de pau, diz o ditado... Já havia contribuído com a introdução da régua no Rio Grande do Sul, aperfeiçoando a invenção de Álvaro “Pitchon” de Jaguarão e disseminando o seu uso por todo o Estado. 

O uso desse instrumento, na minha opinião, fez com que os gaúchos se tornassem precisos nos seus movimentos, superando a técnica refinada das fichas. A tecnologia superou o romantismo do esporte. As réguas são moldadas a necessidade individual de cada técnico – e isso torna o seu uso, uma eterna evolução.

Maletas sofisticadas, bonitas, práticas, duráveis, diferentes – réguas e fichas para técnicos diferenciados, tops de linha, líderes nacionais. Creio que essa é a contribuição que me faz mais feliz do que própriamente os títulos que tive a sorte de conquistar.

Para superar isso tudo, no entanto, só tem uma coisa: os amigos que conquistei! Os meus troféus estão guardados, alguns já deteriorados pela ação do tempo. Mas os meus amigos estão todos conservados e é uma alegria imensa revê-los a cada competição.

Decepção

A maior decepção foi ter sido eleito presidente de Confederação Brasileira de Futebol de Mesa em 1998, no Rio de Janeiro e não ter desempenhado o cargo.

Quando fui escolhido pelas Federações Estaduais para ocupar o mais alto posto no esporte tinha muitas idéias, muitos planos. Não sabia, no entanto, que o destino me cobraria a conta de ter suportado perdas tão significativas na minha vida derramando apenas lágrimas.

A dor da perda prematura de um filho, atormentado pelo casamento desfeito, triste por ter que viver longe dos outros filhos - a Renata e o Marcelo – vivendo um caos num novo relacionamento e suportando traumas, traições e toda sorte de mazelas, não havia saída a não ser sucumbir. 

A vida pessoal atingida e seriamente abalada, o resto foi conseqüência. Me afastei do esporte que amava e com isso não assumi a CBFM, deixei de jogar botão e a Associação Santavitoriense de Futebol de Mesa se licenciou. Foi uma reação em cadeia.

Parece uma sina. Quando presidente da FGFM não completei minha gestão pela morte de meu filho André. Eleito presidente da CBFM, nem iniciei a gestão e fui atingido por um drama pessoal que até hoje ainda tem alguns dividendos e cobra alguns juros...

Essa a minha maior decepção. Considero uma dívida que tenho com o futebol de mesa gaúcho e brasileiro. Não ter trabalhado mais em prol do esporte que tanto amo é uma frustração pesada que carrego. Tenho certeza de que muitas coisas seriam diferentes. Mas...

Mas a vida segue e não há nada do que se queixar. São aprendizados – É A VIDA NA SUA ESSÊNCIA! ".

2 comentários:

  1. Guido

    Não conhecia a real historia no Futmesa, e até hoje é dificil encontrar pessoas que trabalhem pelo esporte em geral, e não somente para a sua associação.

    Ao longo do tempo criamos divergências, mas saiba que os problemas na nossa vida só aparece para quem tem condições de superar.

    Mesmo existindo feridas que nunca cicatrizam, é necessário levantar a cabeça e seguir em frente.

    O seu retorno aos campos(mesas) já é uma ajuda importante para aqueles que estão iniciando.

    Um abraço
    Alexandre Dantas
    Afumerj / Afumig

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  2. Alexandre:

    O Robson me chamou a atenção para o teu recado. Passado tanto tempo da publicação não poderia esperar ainda um comentário sobre ela. De toda a maneira quero te agradecer, e muito, pelas gentis palavras. Eventuais discordâncias são coisas do passado e para te dizer a verdade já nem me lembro do que era. Me habituei e a vida me ensinou a colecionar amigos e esses são mais importantes do que os eventuais títulos que tive a sorte de conquistar. Escreve para o meu e-mail: guido.antonio@terra.com.br para que possamos manter contato mais frequente. Um abração e obrigado mais uma vez por palavras tão gentis.

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